CGD: É tudo uma questão de transparência

25 jan 2017

O fenómeno político, fruto de um cada vez maior exigente e salutar  escrutínio dos cidadãos, deve cada vez mais assentar no princípio de Accountabillity. O dever de prestar contas e de responsabilização dos agentes políticos perante as decisões que tomam e que têm, inelutavelmente, repercussão na vida dos povos não pode ser um capricho para alguns, uma maçada para outros ou a normalidade para muito poucos. Tem que ser a regra. A regra que encontra respaldo na transparência e nos fundamentos mais íntimos da democracia.

Vem tudo isto a propósito da forma de estar na política de António Costa e da gestão do processo “Caixa Geral de Depósitos”.

É consabido que no balanço da governação nada há de estruturante. Há, isso sim, reversões, sobrevivência política e gestão diária de um país sempre com um objetivo eleitoral imediato. São, por isso, muitos os problemas estruturais que o governo tem. O primeiro deles é interno e transversal a todas as matérias: é o da transparência.

 

O governo socialista tem uma incompatibilidade de fundo com a necessidade de prestar contas, decorrente do exercício das suas funções em democracia. Talvez porque resulta de um arranjinho não sustentado na legitimidade popular, acha que não deve nada a ninguém nem deve esclarecimentos os portugueses. Quer os direitos, dispensa os deveres. Percebe-se: como não teve os votos dos cidadãos também acha que conta só com o BE e o PCP.

 

Essa incapacidade é sucessivamente reiterada por episódios que não ajudam à boa imagem nem do executivo, nem dos órgãos de soberania, que o governo tenta instrumentalizar. Usa, quando dá jeito. Informa, quando daí pode resultar algum benefício próprio.

 

E este é um modus operandi que se estende do governo a todos os que com ele se relacionam. Veja-se o caso de António Domingues (a saga que continua!). O primeiro-ministro e o ministro das Finanças acordaram com o ex-presidente da CGD, ainda antes de este assumir funções, um conjunto de pressupostos. A avaliar pelas declarações de António Domingues, entre o acordado com o governo terá estado a dispensa de apresentação de declaração de rendimentos, porque não era dignificante para a imagem dos membros do conselho de administração ver os seus bens discutidos em praça pública. O governo concordou. E fez, mais uma vez, uma promessa que não podia cumprir e que, judicialmente e politicamente, se veio a comprovar descabida.

 

Resta saber que outra informação foi trocada entre o então candidato a presidente da CGD (e ainda quadro do BPI) e o governo, sendo necessário e essencial avaliar a correspondência trocada para aferir a existência, ou não, de conflito de interesses. Nem o governo nem António Domingues se disponibilizaram para mostrar esses conteúdos – o que, se se pautassem pela transparência, quereriam fazer de livre vontade – alegando, num parecer jurídico, que estariam abrangidos pelo sigilo das entidades.

 

A propósito da exigência da transparência, sublinhe-se que a comissão de inquérito da CGD levou o tema do sigilo da CMVM, Banco de Portugal e CGD ao Tribunal da Relação de Lisboa, que ordenou a estas entidades o levantamento do sigilo, decidindo pela obrigatoriedade de entrega de toda a documentação solicitada pelos deputados. Uma decisão que dignifica a comissão parlamentar e o Parlamento, cuja autoridade e legitimidade têm vindo a ser sistematicamente agredidas pelas ações e omissões do atual governo.

 

O PSD já fez dezenas de perguntas ao governo sobre o processo da CGD, desde os episódios da presidência à negociação de um plano de recapitalização, que a Comissão Europeia já aprovou mas os portugueses desconhecem. Não recebemos resposta alguma. Continua a imperar a fuga à transparência e o intento do governo de governar sem prestar contas.

 

No seguimento dos desenvolvimentos importantes que têm acontecido no caso CGD, o PSD e o CDS-PP propuseram o alargamento do objeto da comissão parlamentar de inquérito à CGD ao processo de reestruturação e de recapitalização do banco público, por ser urgente que seja explicado aos portugueses o que está a acontecer. A ação do governo tem de ser escrutinada, sobretudo porque falamos de um banco público e, consequentemente, do dinheiro dos contribuintes, e esse escrutínio encontra forma no âmbito da comissão de inquérito parlamentar.

O Partido Socialista, previsivelmente, recusou imediatamente esse alargamento, dizendo que se estaria perante uma tentativa de “abandalhamento” da comissão de inquérito. O que o PS chama de abandalho nós chamamos de direito de acesso à informação e dever de a prestar aos portugueses.

 

A posição socialista foi, também previsivelmente, acompanhada pelo presidente da Assembleia da República, que rejeitou o alargamento do objeto da comissão parlamentar ao processo de reestruturação e recapitalização do banco, por considerar não existir fundamento a essa pretensão.

 

É pantanoso o terreno em que estamos quando a segunda figura da nação, presidente da Assembleia da República, decide alinhar na narrativa consolidada de ser desnecessário, e até contraproducente, contar a verdade aos portugueses. Assim sim. Assim se coloca em causa o regular funcionamento do Parlamento.

 

 

Hugo Soares

Vice-presidente Grupo Parlamentar PSD