Descentralização: Intenções do Governo são “tiro de pólvora”

05 fev 2018

 

De acordo com o líder do PSD, o primeiro-ministro evitou associar-se a alteração de leis laborais. Apelou, ainda, à classe política para que se pronuncie sobre as alegadas adoções ilegais trazidas ao conhecimento público pela comunicação social

 

As iniciativas do Governo, em matéria de descentralização, revelaram-se “um tiro de pólvora seca”, acusou esta sexta-feira Pedro Passos Coelho, na abertura da 4.ª edição da Academia do Poder Local. Na Guarda, o Presidente dos social-democratas criticou a inação do Executivo na reforma da descentralização de competências e a manobra encontrada para adiar a tomada de decisões, um cenário que, diz, “deixa pouco espaço para acreditar que há intenção” de seguir um “caminho cristalino” nesta matéria.

O Governo encontrou esta posição confortável: apresenta decretos de natureza setorial para dizer aquilo em que gostaria que houvesse transferência de competências”, explicou Pedro Passos Coelho, desconstruindo a manobra: quando se questiona que meios serão afetos àquela descentralização de competências, o Governo remete respostas para a revisão da Lei das Finanças Locais que ainda não chegou aos deputados. “Mas chegou à Associação Nacional de Municípios (ANMP) e dizem os nossos autarcas que o Governo atira para cima dos decretos setoriais aquilo que deve ser a definição do que, em termos quantitativos, deve suportar a transferência de competências”. “É uma coisa circular”, conclui o líder social-democrata, acrescentando que não vê solução para uma tal manobra.

O Presidente do PSD recordou que a bancada parlamentar dos social-democratas propôs a constituição de uma comissão que, “de forma mais expedita”, pudesse juntar todos os projetos apresentados e fazer “uma apreciação mais profunda”, de modo a que a reforma estivesse pronta a tempo das eleições autárquicas do ano passado. Essa proposta do PSD foi chumbada.

Tivemos eleições legislativas em outubro de 2015, já estamos em 2018 e a menos de um ano e meio de a legislatura terminar”. Para Pedro Passos Coelho, “estamos muito bem encaminhados para que seja uma legislatura perdida em matéria de transformação estrutural, nomeadamente ao nível da descentralização”, apesar de o Governo não perder “uma oportunidade para dizer que quer fazer esta reforma”. Mas, “até à data, não fez nada”.

O líder do PSD recuperou o histórico das propostas já apresentadas pelos social-democratas para, a partir da oposição, impelir a reforma da descentralização. Primeiro, em abril de 2016, com um pacote de medidas que seria reforçado mais tarde, no debate do Orçamento do Estado para 2017. A posição do PSD orientou-se em torno de duas linhas. Por um lado, explicou o líder do PSD perante os autarcas social-democratas, para que se descentralizasse com base nas estruturas já existentes. Por outro, a partir do princípio da subsidiariedade, beneficiando das estruturas já existentes, e eficientes, que estão legitimadas no poder local. Ou seja, uma descentralização “universal, no que for possível” e também “através de delegação de competências sempre que a conquista de graus de confiança entre poder central e poder local o recomendar”.

 

Primeiro-ministro evitou associar-se a alteração das leis laborais

Pedro Passos Coelho recorreu à existência de uma maioria que suporta o Governo, no Parlamento, para afirmar que a reforma da descentralização não é feita por não ser uma prioridade. De resto, tudo o que é estrutural para o País não é tomado como prioridade, insistiu Pedro Passos Coelho, salientando que são, contudo, essas transformações que geram crescimento. E as transformações realizadas no mandato do governo anterior respondem, em parte, pelos números atuais do crescimento da economia e do emprego.

Da mesma forma, a alteração que a maioria parlamentar aprovou esta semana na legislação laboral produzirá efeitos dentro de dois ou três anos, avisou Pedro Passos Coelho. PS, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes “entenderam que, na transferência de estabelecimento, poderia haver direito de oposição dos trabalhadores”, o que, parecendo “uma coisa bondosa” pode “transformar-se numa dor de cabeça”.

É que os partidos da maioria legislaram à medida do caso Altice/PT, mas esqueceram “muitas outras empresas para as quais a transmissão de estabelecimento pode ser absolutamente vital”, como o pequeno comércio.

Pedro Passos Coelho avisa: “se lançar muita incerteza sobre o que acontece aos trabalhadores e o que pode resultar daquela iniciativa dentro de um princípio de liberdade económica, os investidores podem retrair-se”. E “o imobilismo dentro da economia pode prejudicar as empresas e os trabalhadores”.

Esta alteração aprovada pela maioria poderá “ser muito negativa para a nossa capacidade de crescer no futuro, para garantir emprego e melhor remuneração nesses empregos”, acrescentou o Presidente do PSD.

Mas o partido confrontou o primeiro-ministro com esta realidade. E António Costa não respondeu às perguntas do líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, no último debate quinzenal. “Como se tivesse a preocupação” de não “ser citado em lado nenhum nesta matéria”, que terá efeitos difusos no médio e longo prazo e que, assim, não ficariam associados ao Governo de António Costa, aponta Pedro Passos Coelho.

O mesmo não foi feito na votação da taxação de investimentos eólicos, onde António Costa ditou uma inversão no sentido de voto da bancada socialista. “O resultado económico teria sido desastroso”, diz Pedro Passos Coelho, além de produzir-se no imediato.

O PSD sempre rejeitou esta “forma de fazer política”, concluiu Pedro Passos Coelho, afirmando que “não vivemos tempos de transparência”, mas “de opacidade”, de “lavar de mãos”, “em que as preocupações se centram demasiado no dia a dia e em que o futuro não está a ser preparado”.

 

Adoções ilegais: Pedro Passos Coelho apela a classe política

O Presidente do PSD apelou, na sexta-feira, à mobilização da classe política para que se pronuncie sobre o caso de adoções ilegais trazido ao conhecimento público pela comunicação social.

Parece que não espanta ninguém que, passado todo este tempo, o Governo não tenha tomado nenhuma iniciativa que visasse esclarecer junto das entidades públicas a responsabilidade pelo que se passou, como se a questão tivesse prescrito, como se não fosse nada com o Estado.”

Para Pedro Passos Coelho, “os políticos têm fugido de falar deste assunto”, apesar de o Estado ter mecanismos inspetivos para apurar o que se passou, “o que é que precisamos de reparar relativamente ao passado e o que precisamos de fazer para que, no futuro, situações destas não voltem a ocorrer”.

Aqui fica um apelo, para que as forças políticas e o Governo também saia da sua modorra e comece a pronunciar-se sobre isto e a tomar iniciativas”, afirmou o líder da oposição. Avisou, ainda, que “é inquietante” que, num tempo em que surgem casos de corrupção “ao mais alto nível da sociedade” o “Estado encolha os ombros e se refugie no andamento da Justiça”. A Justiça “tem o seu papel”, disse ainda, mas “a política também”.

O Presidente do PSD não terminou a abertura dos trabalhos da 4.ª edição da Academia do Poder Local sem sublinhar o papel desta iniciativa dos Autarcas Social Democratas na formação de quadros autárquicos para futuro. “Se queremos ter um poder local mais resiliente e eficiente, os próprios partidos têm de investir muito na preparação de novos quadros” e no “aperfeiçoamento daqueles que estão em exercício de funções”.