Democrata, estadista, homem de cultura e bom amigo

09 jan 2017

Mário Soares era, antes de tudo, um democrata.
Lutou pela liberdade contra a ditadura de direita. Foi preso, foi deportado, foi exilado, mas nunca cedeu. Era um resistente, um homem de coragem.
Lutou contra a iminência de, após o 25 de Abril, Portugal passar de uma ditadura de direita para uma ditadura de esquerda. Fê-lo, com coragem, na rua, correndo perigos. Fê-lo, com determinação, no exercício dos cargos que ocupou nos Governos provisórios, na Assembleia Constituinte, nos Governos constitucionais.
Teve, por tudo isto, e por muito mais, um papel determinante na implantação, no nosso país, de uma democracia de padrão ocidental.

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Mário Soares foi um estadista.
Empenhou-se, como soube e como pode, na descolonização. Utilizou os seus contactos no exterior para evitar que Portugal caísse na esfera soviética. Contribuiu, quando eu era Presidente do PSD e Primeiro Ministro, para viabilizar a revisão constitucional de 1982 e pôr termo à presença dos militares na política. Foi um dos principais construtores do caminho para a adesão de Portugal à então CEE. Cumpriu, com equilíbrio e ponderação, mas também com a preocupação de estar próximo dos eleitores, dois mandatos como Presidente da República.

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Mário Soares foi também um homem de cultura. Lia muito e aproveitava o que lia. Escreveu vários livros, Desde o “Portugal Amordaçado”, cuja edição em francês teve larga repercussão, até, por exemplo, aos interessantes e sempre atuais diálogos com Federico Mayor Saragoza e com Fernando Henrique Cardoso.
Gostava de arte, comprava quadros, visitava regularmente exposições e galerias. Tinha relações pessoais com pintores e escultores, arquitetos e escritores.

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Para mim, Mário Soares foi também um bom amigo. Uma amizade iniciada ainda nos tempos do salazarismo e que foi avançando e crescendo na fase da Ala Liberal, no PREC, nas diferentes etapas da implantação da democracia, na convivência, em Lisboa e no Algarve, com Maria de Jesus Barroso e com os filhos Isabel e João e, já em 2016, os dois jantares, a três, ele, a minha mulher e eu, na Rua João Soares, para que nos convidou.
Nem sempre estivemos de acordo e algumas vezes discordámos em questões de fundo. Mas as verdadeiras amizades são as que permitem estar em desacordo e ficar à mesma amigos.
Mário Soares vai-me fazer muita falta. 
Vai fazer falta a todos os que acreditam na liberdade e na democracia. E que gostam da vida em toda a sua plenitude, em todos os seus múltiplos aspetos, como ele sempre gostou e que tão bem transmitia com a graça e profundidade de grande contador de histórias que era.

Francisco Pinto Balsemão

Nota: o autor escreve de acordo com o antigo acordo ortográfico.