Descentralização: as contradições do primeiro-ministro

21 jul 2017

Incoerência: António Costa diz que o País perde tempo ao adiar a descentralização. Mas esquece que foi o PS quem adiou, no Parlamento, a votação em matérias de descentralização, após atraso no envio de diplomas e apesar dos avisos do PSD.

 

Estamos a perder tempo, adiando a descentralização em geral”, afirmou esta sexta-feira António Costa. Mas, é o próprio Executivo quem protela a transferência de competências para os munícios, de acordo com recentes denúncias de Berta Cabral, deputada do PSD.

O Governo, só há cerca de 15 dias, remeteu ao Parlamento um conjunto de 23 diplomas setoriais, não havendo a garantia de o pacote estar completo”, denunciava a vice-presidente do grupo parlamentar, por ocasião do debate do Estado da Nação. “Perante esta situação, o PSD reafirma que não está disponível para viabilizar uma reforma desta dimensão em cima do joelho”, comunicava, explicando que “tudo isto requer tempo, ponderação e responsabilidade. Este é um processo que não se compadece com soluções apressadas”.

O processo”, o dossiê descentralização, “está atrasado por exclusiva responsabilidade do Governo”, acusa Berta Cabral. É o Executivo (e consecutivamente, os partidos que o suportam) quem adia a descentralização e, consecutivamente, “perde tempo”.

No debate quinzenal de 22 de fevereiro, o primeiro-ministro afirmava que era "preciso dotar os autarcas que serão eleitos em Outubro próximo com mais competências, mais recursos, para podermos ter todos um Estado mais eficiente ao serviço do desenvolvimento". O PSD, por sua vez, sempre alertou que o processo de descentralização “não pode ser instrumentalizado com calendários eleitorais”.

Por ocasião do encerramento da Convenção Nacional Autárquica do PS, António Costa dizia querer saber, “na Assembleia da República, [se os líderes partidários] acompanharão ou não acompanharão o Governo para fazermos uma reforma que seja para todo o poder local democrático". No entanto, o que se vem a verificar é que foi o próprio Partido Socialista que adiou a votação do pacote da descentralização para depois das eleições autárquicas.

Em 6 de julho, Carlos César anunciava: “nesta fase não estão reunidos os consensos necessários e suficientes para que haja uma aprovação nesta sessão legislativa”, adiando o debate e contrariando a meta política estabelecida pelo próprio António Costa. "Temos de ter como grande objetivo desta legislatura - e eu diria ainda como grande objetivo desta sessão legislativa - aprovar o quadro legal para que o início do próximo mandato autárquico seja marcado por um forte avanço da descentralização com claro reforço das competências dos municípios e das freguesias na gestão dos seus territórios", dizia enquanto secretário-geral do PS, em Maio, em Bragança.   

As contradições de António Costa são tão, ou mais, evidentes quando na sessão de apresentação da candidatura socialista a Vila do Conde, em 16 de julho, foi o próprio quem afirmou que a descentralização de competências “tem de ser um marco do próximo mandato autárquico”.

 

Governo andou “a dormir tempo demais

Pedro Passos Coelho acusou, em 2 de julho em Alvaiázere, o atual Executivo de andar “mais uma vez a dormir tempo demais”, pois “quase desde que tomou posse, que andamos a dizer que é importante avançar na descentralização”. Este “é um Governo que, estrategicamente, dedica muito pouco tempo a preparar o futuro, porque só está preocupado com o dia a dia, com as eleições, com a popularidade”, criticou. Aconselhou-o, por isso, a “corrigir a mão” e a “pensar mais nos nossos territórios” e “menos nos equilíbrios da geringonça e da popularidade dos membros do Governo”.

O líder dos social-democratas defendeu, aquando da conferência “As Freguesias e a Descentralização”, que “não se pode perder mais dois anos” no que se refere à transferência de competências. Trata-se de um assunto “demasiado sério para ser tratado em cima do joelho”, alertou, acrescentando ser necessário “estudar muito bem as condições financeiras em que isso pode ocorrer”.