O País não esteve à altura da confiança dos portugueses

21 jun 2017

 

A confiança que constitui o pressuposto básico de qualquer vida em sociedade” foi recordada por José Matos Correia, vice-presidente da Assembleia da República e deputado do PSD, hoje em sessão evocativa em memória das vítimas e de agradecimento aos combatentes nos incêndios. “No passado fim de semana, 64 pessoas confiaram”, disse, para depois acrescentar que “o País, no entanto, não esteve à altura dessa confiança”. Importa, agora, proceder a “um apuramento exaustivo daquilo que se terá passado” e, assim, “honrar a memória daqueles nossos compatriotas” e “garantir que este drama não mais se repetirá”.

 

José Matos Correia na sessão evocativa: palavras de “homenagem, conforto e gratidão


Este é um momento da vida parlamentar que todos nós, sem exceção, desejaríamos que nunca acontecesse, porque a circunstância que o determina é uma tragédia de dimensões avassaladoras, que levou a vida a dezenas de pessoas, que dizimou inúmeras famílias, que destruiu localidades inteiras.

Nessa medida, as primeiras palavras que aqui quero deixar, em nome do PSD, são de homenagem, de conforto e de gratidão.

De homenagem, antes do mais, a todos aqueles que perderam a vida, para mais de uma forma tão cruel, num conflito tão desigual com um inimigo traiçoeiro.

De conforto a todos aqueles que perderam entes queridos, amigos e, por vezes, todos os seus bens.

De gratidão a todos aqueles que têm dado o melhor do seu esforço para travar um combate tão desigual, sejam eles das forças de segurança, sejam eles voluntários das mais diversas origens da sociedade civil, sejam eles funcionários dos mais diversos serviços públicos.

Como é óbvio um destaque especial para os bombeiros, que têm sido para todos nós, uma vez mais, um exemplo de coragem, de determinação e de amor ao próximo. Como uma palavra especial não pode deixar de ser dada também relativamente a Gonçalo Conceição que levou o exercício das funções ao extremo, sacrificando a sua vida em defesa dos outros.

Ao mesmo tempo queremos deixar também uma palavra de esperança, desde logo para os feridos, desejando a todos um restabelecimento tão pronto quanto possível, mas igualmente para todas as comunidades afetadas, com destaque para o município de Pedrógão Grande, para que saibam encontrar a necessária determinação para ultrapassar esta profunda injustiça que sobre elas recaiu.

A Assembleia da República expressa hoje, através do voto de pesar que daqui a minutos merecerá o apoio unânime da câmara, não apenas o sentimento profundo de todos os que aqui exercem funções, mas mais do que isso o sentimento de todo um País e de todo um povo cuja vontade aqui orgulhosamente representamos.

Honrar a memória dos 64 mortos impõe-nos, como imperativo ético, que não nos conformemos com a inevitabilidade destas tragédias e que nos mobilizemos todos para as evitar.

A vida em sociedade assenta fundamentalmente no respeito pela ideia de confiança, porque sem que disso normalmente nos demos conta, é a confiança que depositamos nas instituições e nos nossos concidadãos, que está na base até dos mais singelos atos do nosso quotidiano.

Andamos nas ruas porque confiamos que a nossa segurança está garantida; adquirimos bens porque acreditamos na boa-fé dos vendedores; tantas vezes não conferimos os documentos que nos entregam, porque não duvidamos da sua correção; partilhamos com outras pessoas as nossas opiniões e segredos, porque estamos absolutamente convictos de que os guardarão só para si.

Há que reconhecer, porém, que o valor da confiança tem sofrido, nas sociedades modernas, uma progressiva e muito preocupante erosão, tanto por motivos endógenos, quanto por razões exógenas. E, por força disso, a incerteza tem vindo a apoderar-se da vida de cada um de nós. E, o que é pior, a minar a confiança que constitui o pressuposto básico de qualquer vida em sociedade.

No passado fim de semana, 64 pessoas confiaram. Confiaram que podiam estar tranquilamente em suas casas. Confiaram que podiam dar um passeio para se encontrar com amigos. Confiaram que lhes era possível gozar uns dias de merecidas férias. Confiaram, como cada dia instintivamente todos nós o fazemos, que as instituições seriam capazes de os proteger perante um perigo com que se defrontassem. O País, no entanto, não esteve à altura dessa confiança.

Este não é, ainda, o momento para analisar falhas ou para apurar responsabilidades, se as houver. Mas tal momento tem de chegar.

Porque a busca da verdade tem sempre de ser, numa democracia madura e consolidada como a nossa, uma preocupação central.

Porque só a perceção do que terá corrido menos bem, poderá ajudar-nos a refletir sobre o modo como estas catástrofes podem ser evitadas ou, pelo menos, fortemente minimizadas.

Porque Portugal não pode estar condenado, ano após ano, a viver com o receio e a angústia de enfrentar tragédias como aquela que agora sobre todos nós se abateu.

Nenhum de nós ignora que o diagnóstico das fragilidades que expõem o País a este flagelo está feito. Mas todos temos também a consciência de que, se no passado se perderam vidas humanas, sobretudo bombeiros, e se registaram significativos danos materiais, as ocorrências deste ano atingiram dimensões sem precedentes, particularmente em termos de vítimas civis. E é precisamente esta diferença tão marcante entre o passado e o presente que exige um apuramento exaustivo daquilo que se terá passado.

Fazê-lo será não apenas a maneira de garantir que este drama não mais se repetirá. Mas, mais do que isso, seria o melhor modo de honrar a memória daqueles nossos compatriotas que pagaram o último dos preços, porque confiaram, como era seu direito fazê-lo.”